Will Tom: Inconfidência

Campo Grande, nas década anteriores a 1980, era considerado estância climática. O clima era ameno, mesmo em dias de calor, principalmente nos períodos vespertinos.

Eu estudava na parte da tarde e, naquela época, as salas de aula não necessitavam de aparelhos de ar condicionado.

No colégio em que fiz o Curso Ginasial, algumas salas nem possuíam ventiladores.

No pavilhão do Ginásio Estadual São João de Brito, as aulas duravam todo o período da tarde e o recreio costuma acontecer às 17:15.

Todos saíam da sala e só podíamos retornar aos corredores da escola quando o sinal tocasse, e era preciso formar.

Certa vez, no meio do pátio, vi uma inspetora de alunos passar muito entristecida.

Ela era temida por todos nós… Na verdade, todos os inspetores eram temidos, cada um com sua particularidade.

Dessa vez foi a D. Lena, como a conhecíamos.

Passou muito triste, sem olhar para os alunos daquela forma áquila tão peculiar, procurando em nossos olhares alguma traquinagem.

Não, dessa vez, olhava para o chão, somente.

A preocupação suplantou o medo e segui D. Lena, que subiu as escadas internas e dirigiu-se ao Pavilhão, que dava frente para a rua Amaral Costa.

Ela apoiava-se ao parapeito das grades, olhando o vazio, ouvindo um rádio de pilha. De repente, começou a chorar.

Cheguei perto, segurei-lhe a mão. Ela me olhou com aquele olhar inquisidor. (Ela era a ‘culpada’ por algumas advertências em minha caderneta, que deveria sempre apresentar a assinatura do responsável e a presença do mesmo, no dia seguinte, após a traquinagem. E as minhas eram quebrar a vidraça de uma sala de aula com a bola; derrubar um estande inteiro, com material de Feira de Ciências, cujos vidros possuíam elementos sem vida; fugir da escola para passear na praça da igreja… E tantas outras…).

Fixei bem meu olhar e aproximei meu rosto ao seu, como se fosse contar algo. Apenas beijei-lhe a face, o que a fez me abraçar apertado e chorar mais.

Seu coração pulsava forte e o meu também, de medo.

Depois ela enxugou as lágrimas, caminhamos pelo Pavilhão, até o final, para vermos parte do sol que se punha, desenhando cores nas nuvens e nas folhas das árvores, que tilintavam de forma prateada.

– Veja como é bonito. disse ela.

Meu olhar ainda traduzia medo.

Depois, num sorriso terno, que nunca havia visto antes, disse-me:

– Quando estiver triste, olhe a tarde. Faça parte dela e algo bom chegará a você. Agora volta para o recreio, que o sinal já vai bater. Aluno não pode ficar zanzando por aqui não (falando de forma silabada).

Sua última frase já voltara às origens duronas de uma inspetora inesquecível.

Nunca fomos amigos, mas havia sempre um respeito de ambas as partes, até o final do meu curso ginasial, com olhares e sorrisos agradecidos por algo que somente conhecíamos, e que agora se torna público”.

 

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