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Nesse momento de terror uma massagem no ego francês
Serão os botequins uma tradução carioca dos cafés parisienses? Para a arquiteta Wanda Vilhena Freire, que de frequentadora passou a observá-los com olhar acadêmico, as semelhanças são muitas. Espalhando suas mesas pelas calçadas, tanto em Paris quanto no Rio de Janeiro, cafés e botequins se tornaram objeto da tese de doutorado-sanduíche da pesquisadora, que analisou como cada um deles ocupa o espaço urbano. O trabalho transformou-se no livro Dos cafés parisienses aos botequins cariocas, lançado recentemente pela autora, com subsídios do Auxílio à Editoração (APQ 3).
O projeto levou Wanda a cruzar o Atlântico, para uma estada de um ano em terras francesas. Concentrando-se principalmente no Marais e em Butte aux Cailles, bairro próximo à cidade universitária, a pesquisadora analisou as chamadas terrasses – espaço nas calçadas tomado pelas mesas e cadeiras de bares, cafés, botequins e restaurantes –, que se tornaram parte da paisagem na capital francesa. “Como já foi dito por jornalistas e escritores, elas são pontos de encontro cotidianos na vida da cidade, sempre com uma ocupação intensa”, diz a pesquisadora.
“Na verdade, meu interesse, até como arquiteta, foi pelas calçadas.” Ela explica que, na França, as terrasses – movimentadas, seja no auge do verão seja no rigor do inverno – remetem à observação, à contemplação do que se passa na rua. No Rio de Janeiro, elas se voltam mais para a agitação, para a interação com o que acontece em volta. “Até mesmo pela disposição em que são organizadas, percebe-se a diferença. Em Paris, em geral, as mesas do lado de fora têm as cadeiras voltadas para a rua, dispostas como se fossem uma plateia. No Rio, isso não acontece. A atitude é mais de interação, de troca, e também de ver e ser visto.”
“Na Europa, os cafés surgiram no século XVII, como um lugar para se apreciar a bebida que começara a cair no gosto de londrinos, venezianos e franceses. A princípio precários, de aspecto semelhante às antigas tabernas, os estabelecimentos se sofisticaram na medida do sucesso da bebida. Pelos relatos de historiadores, é possível apreender que, como os cafés franceses possibilitavam o convívio de pessoas de origens, níveis sociais e atividades distintas, isso exigia um mínimo de organização e respeito pelo outro. Isso também transformou esses espaços em lugares de discussão, espaços de comunicação. Em outras palavras, era aonde se ia para entabular discussões com pessoas as mais variadas. Eram, sobretudo, pontos de encontro de artistas e intelectuais, que por ali se abancavam para debater ideias, ler os jornais e comentar notícias recentes.
No Rio de Janeiro, passaram a surgir a partir do início do século XIX, por influência dos estrangeiros que aqui chegaram com a missão francesa, instalando-se em meio às mudanças que ocorriam na cidade por ocasião da chamada belle époque tropical – do final do século XIX ao início do XX. “Formaram-se ambientes fortemente baseados no modelo francês. Como até o século XIX os estabelecimentos cariocas eram fechados, os cafés foram progressivamente tomando as calçadas, instalando-se nas proximidades dos teatros, para captar o público atraído pela movimentação cultural”, cita a pesquisadora.
No período após a Segunda Guerra Mundial, no entanto, a forte disseminação da cultura e o estilo de vida americanos progressivamente mudaria esse panorama. Começam a surgir os bares de Copacabana, que, nos anos 1940/ 1950, é o bairro da moda, a Princesinha do Mar. Como é a influência americana que agora dita os costumes, cresce o público feminino que passa a afluir às confeitarias e bares da orla.Os primeiros cafés tomaram a região em que hoje é a Rua Uruguaiana, expandindo-se mais tarde pela então recém-aberta Avenida Rio Branco. “Uma foto de Marc Ferrez ilustra bem essa época, mostrando dois cafés, próximos um do outro, com mesas na calçada da Rio Branco.” Nesses primórdios, a maior parte dos estabelecimentos estava concentrada no Centro da cidade e a frequência era basicamente masculina. Ao longo de quase um século, muitos estabelecimentos atraíram público e fizeram fama. “O Café Papagaio, um dos mais conhecidos, reunia os intelectuais de início do século XX, enquanto o Café Nice era ponto de compositores nos anos 1930/1940. A turma do turfe se concentrava no Café Belas Artes, na Rio Branco, e o Villariño era para onde iam os jornalistas dos anos 1950/ 1970 depois do fechamento dos jornais do dia”, fala Wanda.
Na Paris atual, a vizinhança de Butte aux Cailles nem sempre se conforma com a agitação de frequentadores mais jovens que ocupam as ruas em frente a bares e restaurantes. Enquanto órgãos de urbanismo locais se preocupam em restaurar o movimento noturno, moradores invocam o respeito às leis do silêncio. Num outro caso semelhante, na Rue du Trésor, no Marais, como explica a pesquisadora, “foi preciso reunir urbanistas, donos de bares, moradores e órgãos governamentais para uma solução negociada. Chegou-se assim ao compromisso de mudar o perfil dos frequentadores para reduzir o barulho, ao mesmo tempo em que os moradores eram levados a aceitar o acordo, em troca de ver a rua valorizada pela revitalização da área.” Foi também o que aconteceu na remodelação da Place de la République, que recebeu um café, solicitado em audiência pública.
No Rio de Janeiro atual, a autora cita os casos de Botafogo e da Praça Varnhagen, na Tijuca. “Por volta de 2010, o trecho do início da Rua Voluntários da Pátria transformou-se num ponto de encontro, com o movimento dos barezinhos que abriram em sucessão no local. Na praça Varnhagen, remodelada pelo Rio Cidade, formou-se um calçadão com um movimento de jovens que irradiava para a Rua Almirante João Cândido. Em ambas as ruas, o número de pessoas ultrapassava o de mesas, com muita gente simplesmente bebendo em pé. “Para mediar os conflitos entre moradores e frequentadores de bares, houve algumas investidas da prefeitura. Mas, apesar das multas aplicadas aos estabelecimentos, no dia seguinte as mesas recolhidas voltavam às calçadas e tudo continuava como antes.” Para a pesquisadora, como a legislação geral que regula a ocupação de calçadas é restritiva e por isso mesmo costuma ser ignorada por bares e restaurantes, seria melhor repensar a lei existente, especialmente nos casos dos polos gastronômicos. “Poderia ser feita uma mediação, com todos os lados interessados, tal como no caso de Paris”, conclui.